Opção de vida

O Apóstolo São Paulo teve atuação decisiva na expansão do cristianismo no mundo antigo, a partir do fato da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Passando o Senhor da Morte para a Vida, ficou vencido o grande inimigo. A morte foi vencida por aquele que abriu as portas para a vida plena para todos os homens e mulheres. De fato, “Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram!” (1 Cor 15, 20). São Paulo, anunciando que Cristo ressuscitou e nele está a nossa esperança, indicou as estradas para que todos os homens e mulheres, convertidos pela força da Palavra proclamada e tocados pela graça suficiente, venham para o Senhor e nele encontrem o caminho, a verdade e a vida! Em suas cartas e nos muitos discursos pronunciados nas viagens apostólicas realizadas, tratou de situações que abrem o horizonte para a compreensão do modo adequado para viver como cristãos. Sabemos que o correr dos séculos mostrou a busca contínua de concretizar a Palavra do Evangelho, sabendo que todas as culturas não são canceladas, mas elevadas à sua máxima expressão, pelo contato com Jesus Cristo e sua Igreja.

A menor das cartas atribuídas a São Paulo, alguns chamam de pequeno “bilhete”, dedicada a Filêmon, trata de uma das questões mais delicadas da história da humanidade, a escravidão. Mesmo que as nações tenham descoberto a grandeza da dignidade humana, sabemos que as situações de escravidão se repetem diante de nossos olhos. Vivendo na região amazônica, bem perto de nós sabemos existirem graves fatos de tráfico humano, tráfico de mulheres para a prostituição, contrabando de órgãos para transplante, tudo eivado de interesses políticos e econômicos inconfessáveis, práticas criminosas também presentes em outras áreas do Brasil e do Mundo. Tem a palavra o apóstolo das gentes: “Caríssimo: Eu, Paulo, velho como estou e agora também prisioneiro de Cristo Jesus, faço-te um pedido em favor do meu filho que fiz nascer para Cristo na prisão, Onésimo. Eu o estou mandando de volta para ti. Ele é como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de tê-lo comigo, a fim de que fosse teu representante para cuidar de mim nesta prisão, que eu devo ao evangelho. Mas, eu não quis fazer nada sem o teu parecer para que a tua bondade não seja forçada, mas espontânea. Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre, já não como escravo, mas, muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto mais ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor. Assim, se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo” (Fm 9b-10.12-17).

Paulo está preso e avançado em anos, e pronuncia palavras de fogo dirigidas a um amigo querido que, convertido, é chamado a superar uma estrutura comum na época, quando a escravidão era tolerada, como aconteceu em tantas nações e épocas da história. Quem fura o olho da escravidão é a prática da fraternidade, o amor de Deus que estabelece novas relações entre as pessoas. Expressões usadas pelo Apóstolo mostram a estrada: filho e irmão! Olhar para o outro, e este outro tem nome, é Onésimo, como filho, faz com que filho não seja somente o que nasceu das próprias entranhas, mas nasça um relacionamento diferente, que gera a vida em Cristo. E o escravo ou o senhor de escravos se torna irmão e se supera a distância entre as pessoas. Só em Cristo a humanidade encontra seu caminho de restauração e superação dos pecados pessoais ou sociais.

Como viver e enfrentar os outros desafios existentes? A liturgia nos oferece neste final de semana um texto precioso (Sb 9,13-18). Só quando se abre o coração e a mente à ação do Espírito Santo se tornam retos os caminhos dos que estão na terra e os homens aprendem o que agrada a Deus. O que se apresenta diante dos olhos de todas as pessoas para fazerem suas opções é a decidida exigência de escolher o que dá rumo certo à existência. E Jesus apresenta à multidões, quer dizer, a todos, o caminho a ser percorrido (Cf. Lc 14, 25-33). Jesus não receia apresentar a todos tais condições a serem acolhidas. Sua sabedoria pede que seus discípulos estabeleçam uma relação diferente com as coisas e propriedades, e o nome é pobreza, com as outras pessoas, no uso da capacidade de amar, chamado de castidade, e também com a própria vida, com o nome de obediência. Mais cedo ou mais tarde, todas as pessoas deverão sentir-se livres em relação às coisas, os afetos e a própria vida, nem que seja no último momento de sua caminhada nesta terra, já que a passagem pelos umbrais da morte não nos permitirá levar nada do que tiver sido acumulado nesta terra.

E o Senhor Jesus vai além, provocando-nos positivamente em nossa liberdade. Trata-se de, desapegar-se, renunciar a si mesmo e às propriedades, e abraçar a Cruz! Pelo visto, a propaganda não é muito atrativa! No entanto, de lá para cá e até o fim dos tempos homens e mulheres de todas as idades e situações sociais, econômicas e culturais venham atrás de Jesus o descubram como Caminho, Verdade e Vida, Senhor e Deus! Se uma pessoa cometeu crimes, ou se reconhece a mais pecadora da história, pode se converter e mudar de vida radicalmente. Um dono de escravos e o escravo estão na mesma comunhão e comunidade, na qual está um perseguidor inveterado chamado Paulo, ou a história pode acrescentar outros nomes, como o grande Santo Agostinho, convertido e transformado num dos mais significativos nomes de mudanças profundas de vida.

Trata-se de homens e mulheres que resolveram edificar com bases sólidas a própria existência, pessoas que podem ser questionadas, mas não ridicularizadas (Cf. Lc 14, 28-30). Transformaram suas vidas em verdadeiras batalhas, mas escolheram os instrumentos adequados, que os fizeram vitoriosos (Cf. Lc 14, 31-32).

Tantos deles foram reconhecidos como santos! E neste final de semana uma figura emblemática de nosso tempo, Madre Teresa de Calcutá, é canonizada pelo Papa Francisco no Jubileu da Misericórdia. A frágil figura que girou o mundo anunciando a misericórdia com os mais pobres e até moribundos, aquela que abraçou os mais sofredores com a sede de amor e fé encontrada em Jesus Crucificado, grita apenas com seu exemplo, voz eloquente para um mundo carente de testemunhas vigorosas. Santa Madre Teresa de Calcutá, rogai por nós!

Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará (PA)