Papa: a vergonha de salvar bancos e não pessoas

O Papa Francisco encontrou-se no Vaticano, na Sala Paulo VI, na tarde de sábado, 5, com cerca de 5 mil membros dos Movimentos Populares que vieram a Roma para o seu 3º Encontro Mundial subordinado ao tema “Trabalho, Teto, Terra”.

O dinheiro governa

“Terra, casa e trabalho para todos”, o Santo Padre fez seu o grito dos Movimentos Populares que exprime um real sentimento de sede de justiça. Francisco recordou o encontro que aconteceu na Bolívia em 2015 e louvou o caminho percorrido até agora no diálogo entre “milhões de pessoas que trabalham diariamente pela justiça no mundo”.

Mas, a justiça está ameaçada pelas desigualdades da violência econômica, social, cultural e militar que provocam cada vez mais violência, pois é “o dinheiro” que governa – afirmou o Papa que considerou ser terrorista um sistema que “expulsa a maravilha da criação, o homem e a mulher”.

Neste momento da sua intervenção Francisco recordou que Pio XI na Carta Encíclica Quadragesimo ano, de 15 de maio de 1931 previa a afirmação de uma ditadura econômica global à qual chamou de “imperialismo internacional do dinheiro”.

Por sua vez, o Papa Paulo VI denunciou há quase cinquenta anos na Carta Encíclica Octogesima adveniens, de 14 de maio de 1971, a “nova forma abusiva de domínio econômico no plano social, cultural e também político”.

“São palavras duras mas justas dos meus predecessores que perscrutaram o futuro” – disse o Papa – “a Igreja e os profetas dizem, há milênios, aquilo que tanto escandaliza, que repete o Papa neste tempo em que tudo isto atinge expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério dos meus predecessores rebela-se contra o ídolo do dinheiro que reina, ao invés de servir tiraniza e aterroriza a humanidade” – afirmou o Santo Padre.

Desenvolvimento Humano Integral

O Papa referiu, assim, que está sendo alimentado o medo que para além de ser “um bom negócio para os mercadores das armas e da morte, enfraquece-nos, desestabiliza-nos, destrói as nossas defesas psicológicas e espirituais” – disse Francisco recordando que “quando vemos que se prefere a guerra à paz, quando vemos que se difunde a xenofobia, quando constatamos que ganham terreno as propostas intolerantes; por trás desta crueldade que parece massificar-se existe o frio sopro do medo” Mas “a misericórdia é o melhor antídoto contra a medo” – declarou.

O Papa Francisco observou neste momento do seu discurso a viabilidade de um “projeto-ponte dos povos perante o projeto-muro do dinheiro. Um projeto que visa o desenvolvimento humano integral” – sublinhou o Santo Padre recordando o recém-criado dicastério para o Desenvolvimento Humano integral. “O contrário do desenvolvimento, poderia dizer-se, é a atrofia, a paralisia” – assinalou.

“Devemos ajudar a curar o mundo da sua atrofia moral. Este sistema atrofiado é capaz de fornecer algumas ‘próteses’ cosméticas que não são verdadeiro desenvolvimento: crescimento econômico, progressos tecnológicos, maior ‘eficiência’ para produzir coisas que se compra, são usadas e atiradas fora, envolvendo-nos a todos numa vertiginosa dinâmica do descarte” – declarou o Papa que afirmou que o desenvolvimento do qual temos necessidade deve ser “humano, integral, respeitoso da criação”.

A bancarrota da humanidade

Um ponto importante referido por Francisco foi “o drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados” que o Papa descreveu com uma palavra: “vergonha”. O Santo Padre recordou a sua ida a Lampedusa e à ilha de Lesbos na Grécia onde, nesta última, teve a oportunidade de “ouvir de perto o sofrimento de tantas famílias expulsas da sua terra por motivos econômicos ou violências de todo o tipo, multidões exiladas”, que, segundo Francisco acontece “por causa de um sistema socioeconômico injusto” e por causa das “guerras”.

O Papa vê nos “olhos das crianças” nos campos de refugiados a “bancarrota da humanidade” pela qual se faz pouco para salvar, mas se for a bancarrota de um banco imediatamente se procura salvar – disse Francisco:

“O que acontece no mundo de hoje que, quando ocorre a bancarrota de um banco, imediatamente aparecem somas escandalosas para salvá-lo, mas quando acontece esta bancarrota da humanidade não existe sequer uma milésima parte para salvar estes irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo transformou-se num cemitério e não somente o Mediterrâneo… tantos cemitérios próximos dos muros, muros manchados de sangue inocente.”

Formatação

O Papa falou de seguida de “formatação” e “corrupção”. Desde logo, deixou claro que há o perigo de os povos se deixarem formatar pelas ‘políticas sociais’ que são toleradas e que passam pelas microempresas, pelas cooperativas, pelos projetos assistenciais.

Contudo, segundo o Santo Padre, é partindo do bairro, da localidade, da organização do trabalho comunitário que é possível discutir a “política com maiúscula”, indicando “ao poder um planeamento mais integral”. Mas, essa forma de intervenção – disse Francisco – não é tolerada porque, dessa forma, estariam a sair do formato “que alguns pretendem monopolizar em pequenas castas” – observou.

“Assim a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai desencarnando-se porque deixa de fora o povo na sua luta quotidiana pela dignidade, na construção do seu destino” – afirmou o Papa.

Corrupção

O Santo Padre alertou também para a corrupção que não é apenas “uma questão de políticos, a corrupção não é um vício exclusivo da política” – sublinhou – pois ela existe também nas empresas, nos meios de comunicação social, nas Igrejas e também nas organizações sociais e nos movimentos populares.

“… é necessário viver a vocação de servir com um forte sentido de austeridade e humildade. Isto vale para os políticos, mas vale também para os dirigentes sociais e para nós pastores” – disse o Papa que, de imediato, esclareceu que ao afirmar a palavra austeridade refere-se à austeridade moral e humana e não àquela apontada pelas “ciências do mercado” e que significa ajuste. “Não é a isso que eu me refiro” – afirmou.

Vida de serviço e amor

No final do seu discurso o Papa Francisco exortou os Movimentos Populares a continuarem a “combater o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e especialmente daqueles que sofrem”.

“Contra o terror, o melhor remédio é o amor. O amor cura tudo” – afirmou o Santo Padre que recomendou a leitura da sua Exortação Apostólica ‘A alegria do amor’, recordando ser este um documento não apenas “sobre o amor em cada família, mas também naquela outra família que é o bairro, a comunidade, o povo, a humanidade”.

Por Canção Nova, com Rádio Vaticano