Eleições: um jogo de cartas marcadas?

cms-image-000402445O processo das eleições municipais deste ano avança rapidamente. Pré-candidatos se apressam a mostrar suas caras. Partidos articulam alianças. A maioria dos cidadãos assiste esse jogo político desde as arquibancadas. Participarão na hora do voto. A mídia tenderá a apoiar quem se dispuser a defender seus interesses mercantis e de quem a sustenta. Terão mais chance de ganhar os que contarem com mais recursos financeiros. Que democracia é essa, meu Deus!?

Democracia exclusivamente de eleições, sem participação efetiva dos cidadãos e das cidadãs comuns, é uma democracia fragilizada. Por isso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou uma nota confiando às comunidades eclesiais a responsabilidade de “tornar as eleições municipais ocasião de fortalecimento da democracia”, devendo “ser cada vez mais participativa”, tendo como horizonte “a construção do bem comum”.

A Igreja incentiva seus membros, especialmente leigos e leigas, a participarem da vida política, visando o bem comum, jamais seus próprios interesses. “A eles cabe, de maneira singular, a exigência do Evangelho de construir o bem comum na perspectiva do Reino de Deus. Contribui para isso a participação consciente no processo eleitoral, escolhendo e votando em candidatos honestos e competentes. Associando fé e vida, a cidadania não se esgota no direito-dever de votar, mas se dá também no acompanhamento do mandato dos eleitos”.

Essa nota da CNBB valoriza as eleições municipais. Elas “têm uma atração e uma força próprias pela proximidade dos candidatos com os eleitores. Se, por um lado, isso desperta mais interesse e facilita as relações, por outro, pode levar a práticas condenáveis como a compra e venda de votos, a divisão de famílias e da comunidade. Na política, é fundamental respeitar as diferenças e não fazer delas motivo para inimizades ou animosidades que desemboquem em violência de qualquer ordem”.

Embora a participação cidadã seja muito reduzida ao ato de votar, a CNBB diz que “para escolher e votar bem é imprescindível conhecer, além dos programas dos partidos, os candidatos e sua proposta de trabalho. É fundamental considerar o passado do candidato, sua conduta moral e ética e, se já exerce algum cargo político, conhecer sua atuação na apresentação e votação de matérias e leis a favor do bem comum. A Lei da Ficha Limpa há de ser, neste caso, o instrumento iluminador do eleitor para barrar candidatos de ficha suja”.

Sabiamente dizem os bispos: “É preciso estar atento aos custos das campanhas. O gasto exorbitante, além de afrontar os mais pobres, contradiz o compromisso com a sobriedade e a simplicidade que deveria ser assumido por candidatos e partidos. Cabe aos eleitores observar as fontes de arrecadação dos candidatos, bem como sua prestação de contas. A lei que proíbe o financiamento de campanha por empresas, aplicada pela primeira vez nessas eleições, é um dos passos que permitem devolver ao povo o protagonismo eleitoral, submetido antes ao poder econômico”.

“A compra e venda de votos e o uso da máquina administrativa nas campanhas constituem crime eleitoral que atenta contra a honra do eleitor e contra a cidadania. Exortamos os eleitores a fiscalizarem os candidatos e, constatando esse ato de corrupção, a denunciarem os envolvidos ao Ministério Público e à Justiça Eleitoral, conforme prevê a Lei 9840, uma conquista da mobilização popular há quase duas décadas”.

“Exortamos as comunidades a aprofundarem seu conhecimento sobre a vida política de seu município e do país, fazendo sempre a opção por aqueles que se proponham a governar a partir dos pobres, não se rendendo à lógica da economia de mercado cujo centro é o lucro e não a pessoa”.

Que essas exortações sirvam de luzes para quem crê que a democracia não pode ser um jogo com cartas marcadas.

Por Dom Reginaldo Andrietta – Bispo de Jales, SP